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sexta-feira, 7 de outubro de 2016

A forma como vemos o mundo

Sabemos que nossa visão de mundo mais intrínseca é formada na infância, influenciada pelo ambiente em que vivemos, por nossa família, pelas outras pessoas com quem convivemos e, claro, pelas conclusões que cada um, então criança, tirou para si e tomou como verdade.

Assim é que, aqui em casa, sou a mãe que trabalha enquanto meus pequenos estão na escola em período integral, cuidando e vivendo com eles nas demais horas do meu dia; e meu marido é o pai que trabalha dia e noite, e se dedica integralmente a eles no tempo que lhe sobra.

Assim é que temos conversado muito aqui em casa sobre a possibilidade de mais um irmãozinho para meus meninos, temos conversado sobre o período de gravidez e tenho respondido diversas perguntas sobre nascimento de bebês.

Assim é que, nas últimas semanas, meu marido tem chegado de madrugada do trabalho e não tem tido a chance de dar o beijo de boa noite antes deles irem para a cama.

Assim é que, ontem de manhã, logo após acordar meus filhos às 6:30 para ir à escola, escuto o seguinte diálogo entre meu filho de 5 anos (Lucas) e meu outro filho, de 6 (Felipe):

Lucas: "Fe, ainda bem que a gente é menino, né Fe?! Senão a gente ia ter q cortar nossa barriga pra ter um bebê!"

Felipe: "Que nada, Lucas! É ruim sermos meninos: vamos ter que trabalhar!"

Ok, obrigada meninos! Já me deram uma bela dica de como vêem sua família, que conclusão cada um tirou e como serão suas visões de mundo no futuro! 


terça-feira, 4 de outubro de 2016

A Raiva

Meu filho hoje trouxe para casa "A Raiva", de Blandina Franco e José Carlos Lollo. Um livro infantil. Mas poderia ser lido sem ser compreendido por um adulto.

A raiva era um pontinho vermelho à toa, perdido no nada, pequeno, que se alimentava dela mesma.



 Com o tempo, passou a se alimentar de outras coisas. Um olhar meio de lado, uma imagem distorcida. Até que tudo, tudo mesmo, alimentava aquela raiva. Pessoas dançando, um casal apaixonado.



 E ela foi crescendo muito. Nada adiantava para contê-la, porque ela é surda e cega, burra e só pensa nela mesma. Virou ira, explodiu. 

Coube, ao fim, ao bom senso, um homenzinho azul, arrumar aquela bagunça. 


sábado, 16 de abril de 2016

O Método

Por Phil Stutz e Barry Michels, "O Método", livro que acabo de (quase) terminar, me comprovou a tese espiritual que venho praticando nos últimos meses... Em fevereiro desse ano postei sobre A poda nossa de cada dia e, em novembro de 2015, postei sobre Preguiça- Pecado Capital, sem saber que já falava sobre a "espiritualidade do futuro", nas palavras de Barry Michels.

Por sinal, Barry Michels é psicoterapeuta, formado em Harvard e Berkeley, e Phil Stutz é psiquiatra formado pela City College de Nova York e pós-graduado pela NYU. O que os une é o fato de terem praticado por anos a psicoterapia tradicional sem ver, contudo, grandes resultados práticos em seus pacientes. Ambos sentiam que os pacientes passavam a se conhecer melhor após as sessões; porém, tinham dificuldade de colocar em prática ações necessárias para atingir um objetivo ou caminhar em uma nova direção. Foi assim que Barry Michels desenvolveu "o método" para ajudá-los; "coincidentemente"* Phil Stutz foi assistir a uma palestra de Michels, e passou a conhecer e aplicar "o método".

OBS. *digo "coincidentemente" entre aspas porque, de fato, não foi uma coincidência segundo a teoria espiritual. O universo invariavelmente nos traz energia semelhante àquela que estamos emanando. Stutz, insatisfeito com os resultados obtidos por seus pacientes, foi em busca do algo mais, e o universo o conduziu à palestra de Michels.

O método consiste, muito resumidamente, na utilização de ferramentas específicas para cinco situações diferentes: 1. sair de uma zona de conforto, 2. sair do labirinto da mágoa, 3. obter melhor desempenho em situações de ansiedade ou insegurança, 4. afastar preocupações desnecessárias ou sair do estado de negatividade, e 5. levar a vida em nova direção ou quando sentimos vontade de desistir.

Para cada uma dessas cinco situações, as ferramentas são:

1. para sair da zona de conforto, a técnica é a da Inversão do Desejo, que consiste em converter o desejo de permanecer num estado de inércia em desejo de aceitar a dor. Deve-se invocar a dor e declarar seu amor por ela, pois ela gera libertação. O que está por trás dessa técnica é que, uma vez ultrapassada a dor que nos impede de sair da zona de conforto, encontra-se um mundo de infinitas possibilidades. Ao utilizar-nos da Inversão do Desejo, vivenciamos a força superior que nos move, a Força Propulsora. Pode-se lançar mão dessa técnica em situações em que o medo nos impede de agir, ao invés da dor.

2. para sair do labirinto do ressentimento, a técnica é a do Amor Ativo, que consiste em concentrar-se na pessoa que gerou a raiva ("concentração"), enviar todo o amor que existe em seu peito para essa pessoa ("transmissão"), seguir o amor até a pessoa e senti-lo entrar nela ("penetração"). A força superior que nos move ao utilizar-nos do Amor Ativo é a Entrega, que corresponde à força infinita que permite nossa doação ao mundo, fazendo-nos sentir que não precisamos de nada da pessoa que nos ofendeu.

3. para obter melhor desempenho em situações de ansiedade ou insegurança, deve-se usar a ferramenta da Autoridade Interior. Para empregar a Autoridade Interior, devemos imaginar nossa sombra (a sombra é a personificação de todos os nossos traços negativos), conectar-nos com ela e ordenar que a plateia nos escute (a plateia não necessariamente significa um conjunto de pessoas que nos assiste; pode significar uma única pessoa que nos intimida). Ao empregarmos essa técnica, sentimos a Força da Autoexpressão, que nada mais é que a linguagem universal do coração.

4. para afastar preocupações ou sair do estado de negatividade, deve-se usar a técnica do Fluxo do Agradecimento, que consiste em pensar em cinco itens pelos quais nos sentimos gratos por 30 segundos; ao final dos 30 segundos, nosso coração continua a gerar gratidão automaticamente. Cada vez que formos usar a ferramenta, devemos pensar em cinco itens diferentes. Com isso, conseguimos contato com a Fonte. A Fonte é o poder de generosidade, que vem do universo. O universo, ao contrário do que nos parece, ESTÁ interessado em nosso bem-estar. Os eventos negativos que vivemos parecem contrariar esse entendimento mas, na verdade, eles são o universo contando para o nosso ego que não, nós não podemos controlar o cosmos. A força superior vivida ao usarmos a técnica é a Gratidão, que gera paz de espírito. 

5. para mudar a direção de nossas vida ou não desistir, há a técnica do Risco. A técnica do Risco nos faz evitar um futuro indesejado (permanecendo na mesma situação de vida em que estamos ou deixando de agir par alcançar um objetivo). Ela consiste em nos imaginar no leito de morte, olhando para trás e nos dando conta do tempo perdido. A ferramenta se baseia em nosso senso de urgência: quando consegue visualizar de antemão o tempo reduzido que temos para realizar uma determinada atividade, o ser humano tende a apressar-se par aagir, ao passo que entender o tempo como ilimitado o paralisa. É a Força de Vontade que surge ao empregarmos essa técnica.

Agora, de onde vem a FÉ nas forças superiores?? Os autores do livros, ambos, vivenciaram situações em que sentiram essa força em si; portanto, aprenderam a fé com a VIDA. Mas, segundo eles, não é uma fé cega. Baseia-se em padrões que podemos ver, de fato, no mundo espiritual, e esses padrões forneceram os pilares para uma nova espiritualidade. Ainda falta o último capítulo do livro para eu terminá-lo, o capítulo que fala dos pilares. Venho contar deles aqui assim que os descobrir com mais detalhes, mas passando os olhos (não me aguentei de curiosidade), os pilares da nova espiritualidade são:

1. Pensar nas forças superiores é inútil; é preciso vivenciá-las.

2. Em se tratando de realidade espiritual, cada um de nós é sua própria autoridade.

3. Problemas pessoais sim, impulsionam a evolução do indivíduo.

Fiquei feliz por ter visto que alguém no mundo (duas pessoas muito bem conceituadas, por sinal) já notou, assim como eu, essa "religião espiritual" que eu tanto busquei e achei há pouco tempo na minha vida (e sobre a qual já escrevi aqui e aqui).

Tentem colocar em prática essas técnicas, com calma e com vontade. É incrível o efeito que geram em nós.



quarta-feira, 13 de abril de 2016

Uma forma de entrar na vida de outras pessoas

Pelo Facebook, minha mãe recebeu uma mensagem de uma moça que dizia lembrar-se dela aos seis anos, quando minha mãe "fazia as mais lindas e maiores pontas de lápis de cor" (!!!). Até agora, minha mãe não tinha ideia de que se dedicara a caprichar em pontas de lápis de cor aos seis anos. Na verdade, pode ser que ela nem tenha se dedicado tanto, mas as tais pontas ficaram na memória da moça por todo esse tempo. Parei pra pensar na repercussão de nossos atos, na capacidade que temos de criar lembranças indeléveis para outras pessoas por meio de atitudes para nós insignificantes. E na possibilidade de termos lembranças de outras pessoas devido a um gesto, um olhar, uma palavra que, para elas, podem ter sido apenas um gesto ou um olhar inconsciente ou uma palavra dita por acaso.

Lembro de um episódio, eu devia ter uns seis anos também... Uma colega de colégio mais velha, durante o recreio, pediu para ver minha pasta de papeis de carta que, por algum motivo, eu levara à escola. Neguei. Ela puxou meu cabelo (lembro bem: eu tinha cabelo comprido; foi na ponta logo abaixo do meu ombro direito!). Me lembro do que senti: indignação. Eu devieria ter, ao menos, dito alguma coisa. Mas nada fiz. E deveria ter feito. Talvez por isso (o sentimento de indignação) eu tenha gravado esse evento até hoje. Mas existem enormes chances dessa menina ter sido uma boa menina, e ter se tornado uma boa mulher.  E fato: eu não levo mais desaforo pra casa.

Eu me lembro da minha primeira grande amiga, a Jacqueline. Ela era carioca, e nos conhecemos no pré-primário. Fomos melhores amigas por um bom tempo até que ela voltou a morar no Rio de Janeiro. Nos comunicamos por carta durante um tempo, mas as cartas foram rareando e a amizade acabou. Sei que foi esse episódio que me ensinou a lição: manter uma amizade depende de atitudes; uma amizade não se mantém na inércia das partes. E foi na casa da Jacqueline que eu tive a sensação do que é ter um irmão (sou filha única). Adorei ter brincado com o irmãozinho dela numa tarde, e tenho o Nicolau na lembrança até hoje; mas tenho certeza de que ele não tem noção disso. Assim como a Lilian, que trabalhou na casa da minha mãe quando eu tinha uns nove anos, não deve saber quantas vezes me recordo das nossas sessões de costura (ela, que dormia em casa, pacientemente, deixava de ver sua novela da noite para costurarmos roupinhas para minhas Barbies -- minha mãe providenciava os tecidos).  Aliás, onde estará a Lilian?!... Lembrará a Lilian dessas noites adoráveis?! Talvez se forçar sua memória, mas creio que não assim como é para mim um lembrança tão espontânea...

Esses são alguns momentos de que me lembro, e que por certo deixaram lições e crenças para a minha vida. Mas há também lições que tomamos e levamos para a vida e que vêm de situações das quais não nos lembramos mais, mas que tiveram, por certo, a participação de pessoas que passaram pela nossa história (e que nunca terão a mais breve ideia de que deixaram marcas em nós, muitas vezes para sempre).

Seja por uma lembrança gostosa ou ruim, ou por uma lembrança que deixou um ensinamento, ou por um ensinamento puro e simples que levamos conosco: há sempre um outro ser humano envolvido, e dessa forma, ele terá deixado um pouquinho de si para nós. É assim que minha mãe viveu por anos na colega, e é assim que minha colega de escola, a Jacqueline, o Nicolau e a Lilian vivem em mim.

segunda-feira, 11 de abril de 2016

O querida de hoje


Hoje, como em toda segunda-feira, fui levar meu filho mais velho à terapia. Como sempre, deixei o caro em um estacionamento próximo, pois nunca há vaga livre na redondeza.

Até hoje, eu detestava que estranhos me tratassem por "querida". Mas quando o manobrista (que conheço há alguns meses mas não deixa de ser um estranho) me disse "boa tarde, querida", eu gostei. Gostei porque vi simpatia nele. Notei que o intuito era receber a mim e ao meu filho da melhor forma. Meu filho adora o Mingau, o gatinho branco que mora no estacionamento. Eram dois gatinhos, mas um morreu atropelado um pouco antes de chegarmos lá numa segunda-feira do mês passado, e meu filho ficou arrasado. "A mulher não viu que ele estava embaixo do carro quando deu ré". Meu pequeno ficou inconsolável, chorou, e me encheu de perguntas ("o que o gato quis fazer embaixo do carro?" "saiu sangue?" "o Mingau ficou triste?" etc etc). Ele também me perguntou se o manobrista morava lá. Faz sentido, porque dentro do estacionamento fica uma espécie de casinha (um cômodo) com cama, criado-mudo, um armário, TV, fogão, pia, prateleira com mantimentos. Tem até tapete, um quadrinho na parede. Eu não soube responder. Insatisfeito, perguntou ao manobrista (corei!), e obteve resposta afirmativa. Agora, toda segunda-feira ele convida meu filho para entrar em sua casa e fazer carinho no gato. Ele nos convida à sua casa.

Não se passam mais de cinco minutos em cada segunda-feira enquanto eu e meu filho convivemos com o manobrista e o gato (e mais um ou dois senhores que, sentados em cadeiras velhas na calçada em frente à porta da casinha, me lembram muito cenas do século passado). Mas os instantes de acolhida pelo manobrista e sua turma vividos até hoje foram suficientes para me fazer apreciar um querida de sua parte.

É óbvio que um querida dito automaticamente, ou com frieza ou, pior, por alguém que eu sei que não me quer, não significa nada. Talvez eu continue detestando esse tipo de querida. Mas o do manobrista foi sincero.

Tudo depende do modo como se diz, do contexto, da intenção, e do que a gente entende subliminarmente, ou seja, do que não se diz, mas se percebe. O que é essência vem daí, dos sentidos, da intuição, do coração. Precisamos estar dispostos à troca, a permitir que exista contato com o que há de sublime no outro. Assim é possível extrair o mais importante da vida. Hoje eu vi muito além da palavra, e gostei do que vi. 

quarta-feira, 30 de março de 2016

Ordem de nascimento e personalidade

Karl Konig, um renomado médico que viveu entre 1902 e 1966, muito conhecido por seu trabalho com adultos e crianças deficientes, escreveu sobre as influências que a ordem de nascimento exercem em nosso modo de vida, especialmente em nosso comportamento social. O autor faz estas observações com base em sua experiência com seres humanos e em seus próprios estudos.

Particularmente, achei as descrições dos filhos únicos, primeiros, segundos e terceiros filhos extremamente apropriadas. (As descrições do comportamento do primeiro, segundo e terceiro filhos equivalem ao quarto, quinto e sexto filhos respectivamente, ou ao sétimo, oitavo e nono respectivamente, ou ao décimo, décimo primeiro e décimo segundo, e assim por diante).

Dito isto, segue abaixo, resumidamente, a análise do autor sobre a visão de mundo de cada um dos seguintes indivíduos com base em sua ordem de nascimento:

FILHO ÚNICO:

O filho único encontra-se na soleira da porta: não está dentro nem fora. Atrás dele está o abrigo do seu ninho; à sua frente, a glória do mundo. Ele é tanto incapaz de aproveitar o calor de seu ninho como de ousar mergulhar no descompromisso da vida.

Ao redor do filho único, o mundo é alheio a si, porém conhecido. Ele pode observar e até estar presente nas atividades da vida, mas não pode efetivamente participar do mundo.

O filho único deseja estar com os outros, mas quando está, quer ficar só. Esta é a posição ambígua das emoções de um filho único - encontrar-se e estar com os outros e ao mesmo tempo abster-se de fazê-lo. A companhia de outras pessoas (que não os pais do filho único) é difícil e pesada.

Quando um filho único se torna adulto, permanece numa espécie de esplêndido isolamento. De alguma forma, ele se coloca no limiar da existência, incapaz de penetrar na plenitude da vida.

O filho único pode alcançar altas posições na vida, mas internamente será sempre um eremita, um homem que almeja o companheirismo, mas que muito raramente o alcançará.

PRIMEIRO FILHO:

Esta criança, a primeira a vir, é realmente esperada com ansiedade, e sua entrada é preparada como a entrada de um príncipe. Nenhuma outra criança pode compartilhar desta entrada triunfal na vida terrena. O segundo e o terceiro podem ser bem-vindos, mas o fato do nascimento deixou de ser uma ocasião especial como foi quando nasceu o primeiro filho.

No momento em que primeiro e segundo filho entram em contato, o choque para o segundo filho é, às vezes, até maior que para o primeiro filho. Ele pretendia vir e ligar-se a seus pais e, de repente, descobre uma terceira pessoa que já está ocupando um lugar que deveria ser seu. Aqui se desenvolvem duas atitudes bastante diferentes: o primeiro filho tem de defender o seu lugar, o segundo tem de conquistar o que está sendo defendido por outro.

O primeiro filho é um defensor: defensor da fé, da tradição, da família. Ele preserva o passado contra a investida de quaisquer ideias e ações novas. Ele tem de manter o que já foi conseguido, tem de preservar o passado, independentemente de gostar dele ou não. Seria interessante constatar quantos primogênitos estão na categoria de juízes, legisladores. Onde lei e ordem, tradição e continuidade são necessários, o primogênito tem o seu lugar. O primeiro filho é o herdeiro da coroa, da liderança da família, seja ela material ou espiritual. Todas essas tarefas e posses são depositadas em suas mãos e sobre seus ombros, pois desde a tenra infância ele foi treinado na atitude de defesa e irredutibilidade.

Ele é um elo entre os pais, de um lado, e seus irmãos, de outro. Um elo, no entanto, pode ser uma ponte ou uma barreira, como um portão, que está ora aberto, ora fechado.

Diferentemente do filho único, que é um ser solitário, o primeiro filho tem uma figura de líder. Possui um alto senso de responsabilidade e frequentemente se sentirá envolvido em muitas coisas que acontecem a seu redor. Podem também desenvolver uma grande dose de orgulho e uma atitude dominadora a fim de cumprir com as demandas de seu próprio alto senso de responsabilidade.

Muitos primogênitos tornam-se amargos e adquirem um sentimento de perda quanto têm a impressão de que pouca atenção é dada à posição que alcançaram.

Existe também um constante sentimento de culpa ligado a suas conquistas. Isto porque eles tiveram de antecipar-se diante de certas possibilidades desde sua infância. O primeiro filho tem de defender, mesmo quando gostaria de atacar; tem de cumprir mesmo quando acha errado fazê-lo. Ele representa o lento, embora firme, movimento de vanguarda na marcha do desenvolvimento da humanidade.

Há frequentemente uma tensão forte e amarga na estrutura emocional dos primogênitos. Muitos deles podem vivenciar um sentimento de impaciência para alcançar o topo da escada; esse sentimento decorre de um desejo de reformar o mundo, mas que encontra barreira na sua necessidade de preservar e defender.

Um primeiro filho raramente pode experimentar o encantamento e a beleza da infância. Desde o início é mais consciente de tudo que o cerca e de si próprio, perdendo assim a atitude natural da criança. Todos os primogênitos são a base da ponte sobre a qual todos os outros homens marcham. Essa é a tarefa especial que lhes é dada.

SEGUNDO FILHO:

A Bíblia descreve os primeiros dois irmãos da humanidade de forma característica. Caim era um 'lavrador da terra'; Abel um 'guardador de ovelhas'. A sentença que foi proferida sobre Adão quando foi expulso do Paraíso ("Maldita é a terra por causa de ti; com dor comerás dela todos os dias da tua vida; ela te produzirá espinhos e tu comerás e erva do campo" - Gênesis 3, 17-18), foi transferida a Caim, que herda a culpa de seu pai e tem de carregá-la ele próprio. O primogênito torna-se o portador da sentença lançada sobre seu pai. Ele tem de lavrar a terra e redimi-la por meio do trabalho de suas mãos.

Abel, pastor, é de natureza diferente. É o amigo e companheiro de seu rebanho; vive entre seus amigos e compartilha de sua vida despreocupada. Podemos retratá-lo sentado sobre o tronco de uma árvore, modelando uma flauta a partir de uma ramo e tocando uma melodia de alegria e reverência, imerso na beleza silenciosa do mundo. Seu coração e sua mente estão imersos nas maravilhas dessa Terra.

Abel, apesar de assassinado pelo irmão, permanece seu companheiro constante. Em todo segundo filho nasce um novo Abel. Ele porta internamente o anseio pelo Reino de Deus, ao qual quer voltar. Abel raramente é um lutador. É normalmente um pioneiro, um pesquisador, um poeta, um santo. Não está muito envolvido com assuntos mundanos. Gosta de viver sem fazer esforço de mais. A existência não significa exclusivamente suor e trabalho; é alegria e êxtase, experiência e sonho. Abel lida com as coisas muito mais facilmente que Caim. Seu coração ama o mundo porque este não representa uma ameaça tal como para Caim. Abel tem senso de humor e é necessário muito desapontamento para fazê-lo sentir-se mal-humorado, enquanto Caim fica facilmente perturbado e aborrecido. Caim vive sob o manto do dever; a vida para ele é uma obrigação que precisa ser honrada de todas as formas possíveis. Caim desaprova o lazer e a alegria de um dia livre ou um passeio no parque.

Todo segundo filho é dotado de forças espirituais que são suas por herança. Ele está mais próximo do Reino de Deus que qualquer pessoa sobre a Terra. Enquanto os primeiros filhos são os verdadeiros habitantes desta Terra, os segundos filhos são hóspedes. Para eles, a Terra não é senão um lugar temporário de morada.

TERCEIRO FILHO:

Existe um hiato entre o primeiro e segundo filhos, de um lado, e o terceiro filho, de outro. O primeiro e o segundo coexistem necessariamente, não importando o quão diferentes possam ser. Seus destinos estão intimamente ligados. O terceiro filho aparece como alguém de fora. Os dois primeiros começam a aceitar-se mutuamente e a partilhar suas vidas quando, subitamente, um estranho chega. Agora, um filho único faz frente a outros dois. Os dois primeiros aprenderam a conhecer um ao outro durante um tempo considerável; eles aprenderam a andar juntos. De repente, um recém-chegado se aproxima. É bastante natural que os dois primeiros se unam contra o terceiro.

Um terceiro filho pode gradualmente fazer sua entrada no círculo dos primeiros. Poderá, inclusive, fazer um grande empenho nessa tarefa e tentará, sob todas as formas, qualificar-se como um parceiro respeitável de seus antecessores. Se, no entanto, for uma criança com poucas qualidades de luta, o terceiro filho permanecerá trás e irá preferir ficar amuado do que partir para uma conquista.

Aqui nós encontramos duas atitudes fundamentais dos terceiros filhos. Eles sentem-se afastados de outras pessoas. Esta separação, no entanto, é diferente daquela encontrada nos filhos únicos, pois os filhos únicos mostram sempre um certo grau de indiferença, está acima das outras pessoas. Já a solidão do terceiro filho tem um sabor diferente. Ele suporta a dor aguda da inferioridade. A criança almeja tomar seu lugar entre os outros, já que vive sob a forte impressão de que os outros não se preocupam com a sua existência e não fazem questão de tomar conhecimento dela.

Uma boa dose de desconfiança em relação às outras pessoas cresce nos terceiros filhos. Eles sentem-se negligenciados, e suas reações podem ser de duas formas. Ou eles se retiram para o interior do seu próprio ser ou juntam suas forças e atiram-se, tentando conquistar pela força o que, de outra forma, não seria seu.

O terceiro filho tem uma natureza complexa, e podem desenvolver em muitas direções diferentes. Ele dificilmente encontrará uma vida pacífica e regular. Muitos tentam correr depressa demais na vida e acabam tombando, exaustos. Outros buscam um objetivo muito alto, mas a força não é suficiente para alcançá-lo. Há também os que sentem uma solidão tão insuportável que tomam o caminho para o interior, tornando-se pessoas muitos boas. E há os que, com sua força interior, se superam.

Na Bíblia, o terceiro filho é Set, mas nada além do nome é mencionado na Bíblia. A Lenda conta que Set, tendo compaixão por seu velho pai Adão, que sofre de uma grave doença, sai em busca dos portões do Paraíso, onde consegue entrar e recebe três sementes da Árvore da Vida. Quando seu pai morre, ele enterra as sementes juntamente com Adão e, de lá, uma árvore começa a crescer. Dessa árvore, foram feitos o bastão de Moisés, os pilares do templo se Salomão e a cruz Gólgota. Ou seja, Set trouxe o futuro da humanidade das mãos, preparou o futuro, superou seu próprio destino.
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Entendo que pode haver casos em que as descrições parecem não fazer sentido; nessas hipóteses, há que se atentar para outros diversos fatores (biológicos, ambientais etc) que, da mesma forma, são aptos a influenciar o modo de ser e viver de cada um.

De toda forma, observando os diversos exemplo que me rodeiam, achei impressionante como a descrição do autor faz sentido. E, para cada um de nós, como filhos únicos, ou como primeiros, segundos, terceiros, quartos filhos, ter conhecimento desse nosso funcionamento interno (decorrente da ordem de nascimento) ajuda, e muito, a entendermos a origem de alguns sentimentos e, assim, isolá-lo ou controlá-lo para que possamos, com maior facilidade, alcançar nossos objetivos de vida. 

sexta-feira, 18 de março de 2016

Existência em degradê

Me dei conta de que tudo, tudo, na vida tem seu tempo. De nada, nada, adianta a ansiedade, a pressa, a agitação, a aflição. É claro que a ansiedade tem sua função biológica: deixar-nos atentos aos perigos, sermos capazes de agir na hora certa. Mas é só. Ponto. Não adianta querer que as coisas se resolvam antes do tempo. Tudo, tudo, segue seu curso naturalmente, passo a passo, etapa após etapa. A natureza não dá saltos. Nem que quisermos fazê-lo artificialmente. Perceba: simplesmente, não dá para atropelar. Um dia só surge após terminada uma noite que, por sua vez, só clareia quando o sol tem a chance de lançar seus perímetros raios, mas só pela manhã, não de madrugada. O ano que vem, 2017, só chegará em nove meses. Falando em nove meses, o bebê no útero só estará totalmente pronto depois desse período; se nascer antes, algo falta em seu desenvolvimento. Um carro só prossegue no trânsito se o da frente sair do lugar: dois objetos não ocupam o mesmo espaço, nem que você buzine por horas. Um machucado não cicatriza em minutos; precisa de dias. A chuva não cai de repente num dia azul e claro; ela precisa se formar. O que somos hoje foi formado ao longo de uma vida; não nascemos como somos hoje. E nem se fale em Deus: Deus criou o mundo em sete dias! E olhe só: Ele é Deus! Prova de que o novelo se desenrola; ele não vira linha reta num passe de mágica.

Foi com base na observação de que nenhuma transformação acontece bruscamente que passei a abrir os olhos para a doutrina espírita ainda criança, quando li "Reencarnação sem Mistérios", do meu tio José Carlos de Camargo Ferraz. Nesse livro, ele nos conduz a observar essa gradual transição do estado das coisas para concluir não ser possível passarmos da vida à morte de repente; existe a passagem por uma espécie de hospital da alma, onde outros espíritos auxiliam na compreensão da passagem à nova fase (pós-morte).  

Pois bem, hoje, esperando minha vez na fila de um banco por longos minutos que quase completaram uma hora, voltei a ter essa sensação da continuidade dos eventos da existência, cada um em seu devido tempo. E essa constatação veio no exato momento em que percebi que meu cérebro já se punha a culpar o caixa lento, o excesso de idosos na fila preferencial, o Brasil e tudo o mais pela minha (longa) espera. Não. Não é culpa de nada nem ninguém. O universo é que é assim.

Diante disso, passei a aproveitar aqueles minutos para observar pessoas (algo que amo fazer), ler folhetos informativos, pensar simplesmente. Saibamos admirar o desenvolvimento da vida cada vez que somos obrigados a parar para esperar próximo passo. Consigamos substituir a pressa por sabedoria, abrir os olhos e contemplar. Contemplar a ferida aberta enquanto ela não se cura, ouvir uma boa música enquanto o trânsito não anda, ler um livro nas noites de insônia, curtir uma gestação enquanto ela não chega ao fim, aproveitar o dia lindo enquanto não chove, ou a chuva enquanto ela não passa. Enfim, curtir a vida enquanto não chega a hora de, natural e inevitavelmente, iniciarmos uma nova etapa.